Lei Nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995 de Biossegurança

Regulamenta os incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituiçãoo
Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia
genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente
modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da
Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança,
e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei:

Art. 1 Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção,
cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e
descarte do organismo geneticamente modificado (OGM), visando a
proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como
o meio ambiente.

Art. 2 As atividades e projetos, inclusive os de ensino, pesquisa
científica, desenvolvimento tecnológico e de produção industrial que
envolvam OGM no território brasileiro, ficam restritos ao âmbito de
entidades de direito público ou privado, que serão tidas como
responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua
regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou conseqüências
advindas de seu descumprimento.

§ 1 Para os fins desta Lei consideram-se atividades e projetos no
âmbito de entidades como sendo aqueles conduzidos em instalações
próprias ou os desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica
ou científica.

§ 2 As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a
pessoas físicas enquanto agentes autônomos independentes, mesmo que
mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas
jurídicas.

§ 3 As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou
internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de
projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade
técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados,
patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de
salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão exigir a
apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata
o art. 6, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos
eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.

Art. 3 Para os efeitos desta Lei, define-se:

I - organismo - toda entidade biológica capaz de reproduzir
e/ou de transferir material genético, incluindo vírus, prions
e outras classes que venham a ser conhecidas;

II - ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico
(ARN) - material genético que contém informações
determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à
descendência;

III - moléculas de ADN/ARN recombinante - aquelas manipuladas
fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos
de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em
uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN
resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os
segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN
natural;

IV - organismo geneticamente modificado (OGM) - organismo
cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por
qualquer técnica de engenharia genética;

V - engenharia genética Arial; mso-ansi-language: - atividade
de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante.

Parágrafo único. Não são considerados como OGM aqueles resultantes de
técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material
hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de
ADN/ARN recombinante ou OGM, tais como: fecundação in vitro,
conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer
outro processo natural;

Art. 4 Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida
através das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de
OGM como receptor ou doador:

I - mutagênese;

II - formação e utilização de células somáticas de hibridoma
animal;

III - fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células
vegetais, que possa ser produzida mediante métodos
tradicionais de cultivo;

IV - autoclonagem de organismos não-patogênicos que se
processe de maneira natural.

Art. 5 (VETADO) [sic.]

Art. 6 (VETADO) [sic.]

Art. 7 Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do
Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e
da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia
Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer
técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na
regulamentação desta Lei:

I - (VETADO) [sic.]

II - a fiscalização e a monitorização de todas as atividades
e projetos relacionados a OGM do Grupo II;

III - a emissão do registro de produtos contendo OGM ou
derivados de OGM a serem comercializados para uso humano,
animal ou em plantas, ou para a liberação no meio ambiente;

IV - a expedição de autorização para o funcionamento de
laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá
atividades relacionadas a OGM;

V - a emissão de autorização para a entrada no País de
qualquer produto contendo OGM ou derivado de OGM;

VI - manter cadastro de todas as instituições e profissionais
que realizem atividades e projetos relacionados a OGM no
território nacional;

VII - encaminhar à CTNBio, para emissão de parecer técnico,
todos os processos relativos a projetos e atividades que
envolvam OGM;

VIII - encaminhar para publicação no Diário Oficial da União
resultado dos processos que lhe forem submetidos a
julgamento, bem como a conclusão do parecer técnico;

IX - aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos arts.
11 e 12.

Art. 8 É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:

I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o
manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante,
realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei:

II - a manipulação genética de células germinais humanas;

III - a intervenção em material genético humano in vivo,
exceto para o tratamento de defeitos genéticos,
respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de
autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação
prévia da CTNBio;

IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões
humanos destinados a servir como material biológico
disponível;

V - a intervenção in vivo em material genético de animais,
excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em
avanços significativos na pesquisa científica e no
desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios
éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o
princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;

VI - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em
desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e
constantes na regulamentação desta Lei.

§ 1 Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou
industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser
introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a
autorização do órgão de fiscalização competente, levando-se em
consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis.

§ 2 Os produtos contendo OGM, pertencentes ao Grupo II conforme
definido no Anexo I desta Lei, só poderão ser introduzidos no Brasil
após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de
fiscalização competente.

§ 3 (VETADO) [sic.]

Art. 9 Toda entidade que utilizar técnicas e métodos de engenharia
genética deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio),
além de indicar um técnico principal responsável por cada projeto
específico.

Art. 10 Compete à Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) no âmbito
de sua Instituição:

I - manter informados os trabalhadores, de qualquer pessoa e
a coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela
atividade, sobre todas as qüestões relacionadas com a saúde e
a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de
acidentes;

II - estabelecer programas preventivos e de inspeção para
garantir o funcionamento das instalações sob sua
responsabilidade, dentro dos padrões e normas de
biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta
Lei;

III - encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será
estabelecida na regulamentação desta Lei, visando a sua
análise e a autorização do órgão competente quando for o
caso;

IV - manter registro do acompanhamento individual de cada
atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM;

V - notificar à CTNBio, às autoridades de Saúde Pública e às
entidades de trabalhadores, o resultado de avaliações de
risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como
qualquer acidente ou incidente que possa provocar a
disseminação de agente biológico;

VI - investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades
possivelmente relacionados a OGM, notificando suas conclusões
e providências à CTNBio.

Art. 11 Constitui infração, para os efeitos desta Lei, toda ação ou
omissão que importe na inobservância de preceitos nela estabelecidos,
com exceção dos §§ 1º e 2º e dos incisos de II a VI do art. 8º, ou na
desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das
autoridades administrativas competentes.

Art. 12 Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas a partir
de 16.110,80 UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos de fiscalização
referidos no art. 7º, proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas
seguintes infrações:

I - não obedecer às normas e aos padrões de biossegurança
vigentes;

II - implementar projeto sem providenciar o prévio
cadastramento da entidade dedicada à pesquisa e manipulação
de OGM, e de seu responsável técnico, bem como da CTNBio;

III - liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar sua
prévia aprovação, mediante publicação no Diário Oficial da
União;

IV - operar os laboratórios que manipulam OGM sem observar as
normas de biossegurança estabelecidas na regulamentação desta
Lei;

V - não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta, os
acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área
de engenharia genética, ou não enviar relatório respectivo à
autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a
contar da data de transcorrido o evento;

VI - implementar projeto sem manter registro de seu
acompanhamento individual;

VII - deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não imediata,
à CTNBio, e às autoridades da Saúde Pública, sobre acidente
que possa provocar a disseminação de OGM;

VIII - não adotar os meios necessários à plena informação da
CTNBio, das autoridades da Saúde Pública, da coletividade, e
dos demais empregados da instituição ou empresa, sobre os
riscos a que estão submetidos, bem como os procedimentos a
serem tomados, no caso de acidentes;

IX - qualquer manipulação genética de organismo vivo ou
manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante,
realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei e
na sua regulamentação.

§ 1 No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 2 No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da
ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade
aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da autoridade
competente, podendo paralisar a atividade imediatamente e/ou interditar
o laboratório ou a instituição ou empresa responsável.

Art. 13 Constituem crimes:

I - a manipulação genética de células germinais humanas;

II - a intervenção em material genético humano in vivo,
exceto para o tratamento de defeitos genéticos,
respeitando-se princípios éticos tais como o princípio de
autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação
prévia da CTNBio;

Pena - detenção de três meses a um ano.

§ 1 Se resultar em:

a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de
trinta dias;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

Pena - reclusão de um a cinco anos.

§ 2 Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;

Pena - reclusão de dois a oito anos.

§ 3 Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões
humanos destinados a servirem como material biológico
disponível;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

IV - a intervenção in vivo em material genético de animais,
excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em
avanços significativos na pesquisa científica e no
desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios
éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o
princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;

Pena - reclusão de três meses a um ano;

V - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em
desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e
constantes na regulamentação desta Lei.

Pena - reclusão de um a três anos;

§ 1 Se resultar em:

a) lesões corporais leves;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

e) dano à propriedade alheia;

f) dano ao meio ambiente;

Pena - reclusão de dois a cinco anos.

§ 2 Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;

f) inutilização da propriedade alheia;

g) dano grave ao meio ambiente;

Pena - reclusão de dois a oito anos;

§ 3 Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

§ 4ºSe a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no meio
de OGM for culposo:

Pena - reclusão de um a dois anos.

§ 5 Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no País
de OGM for culposa, a pena será aumentada de um terço se o crime
resultar de inobservância de regra técnica de profissão.

§ 6 O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao
homem, aos animais, às plantas e ao meio ambiente, em face do
descumprimento desta Lei.

Art. 14 Sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade.



Disposições Gerais e Transitórias

Art. 15 Esta Lei será regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias a
contar da data de sua publicação.

Art. 16 As entidades que estiverem desenvolvendo atividades reguladas
por esta Lei na data de sua publicação, deverão adequar-se às suas
disposições no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação do
decreto que a regulamentar, bem como apresentar relatório
circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou projetos em
andamento envolvendo OGM.

Parágrafo único. Verificada a existência de riscos graves para a saúde
do homem ou dos animais, para as plantas ou para o meio ambiente, a
CTNBio determinará a paralisação imediata da atividade.

Art. 17 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 18 Revogam-se as disposições em contrário.



Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência e 107º da
República

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson Jobim
José Eduardo De Andrade Vieira
Paulo Renato Souza
Adib Jatene
José Israel Vargas
Gustavo Krause





ANEXO I

Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados
classificam-se da seguinte maneira:

Grupo I: compreende os organismos que preenchem os seguintes
critérios:

A. Organismo receptor ou parental

* não-patogênico;
* isento de agentes adventícios;
* com amplo histórico documentado de utilização segura, ou a
incorporação de barreiras biológicas que, sem interferir no
crescimento ótimo em reator ou fermentador, permita uma
sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos negativos
para o meio ambiente.

B. Vetor/inserto

* deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de seqüências
nocivas conhecidas;
* deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às seqüências
genéticas necessárias para realizar a função projetada;
* não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no
meio ambiente;
* deve ser escassamente mobilizável;
* não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos
que, de acordo com os conhecimentos disponíveis, não o adquira de
forma natural.

C. Organismos geneticamente modificados:

* não-patogênicos;
* que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou
parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência e/ou
multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio
ambiente.

D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam incluir-se
no Grupo I, desde que reúnam as condições estipuladas no item C
anterior:

* microorganismos construídos inteiramente a partir de um único
receptor procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou
de um único receptor eucariótico (incluindo seus cloroplastos,
mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo os vírus) e organismos
compostos inteiramente por seqüências genéticas de diferentes
espécies que troquem tais seqüências mediante processos
fisiológicos conhecidos.

Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo I.

Publicada no D.O.U. de 06.01.95, seção I, pág. 337.